24 de jun. de 2007

Sons

Comecei dividindo o meu fone de ouvido. E a minha perna direita.
Tocava Jobim. Um lounge à brasileira. Uma bossa internacional. Patife, eu acho.
Um fone caiu. A noite também.
Eu continuava no Tom. Ela estava em outra. Olhava pra mim.
O som que cortava o ambiente era o meu batuque. Na mão dela. E eu não ouvia.
Só ouvia a Lígia. E o cabelo dela balançando (dela, não da Lígia).

A conjuntura internacional não favorece, mas ela me faz não pensar nisso.
E ela só pensa naquela bermuda de velcro. Ou zíper, sei lá eu. Só sei que começo a pensar nela também. E na bermuda.

Eu quero o mundo. Ela quer o instante. A gente se completa.
E eu adoro ver ela querendo o mundo. E odeio me ver querendo o instante. A gente se completa.
E o meu instante era aquele fone caído, aquela bermuda aberta e o coração batendo forte. E a gente se completa.

Ouvindo - Tom Jobim - Lígia

19 de jun. de 2007

Satisfeito

Eram hábitos estranhos que cultivava desde a infância. Começou com a sede. Aos oito anos passava um dia inteiro sem beber água só para chegar à noite e se satisfazer. Sentia um prazer incontrolável com isso.

Depois passou a não comer. Só comia uma vez por semana, mas se esbaldava entre chocolates, massas e molhos. Era adolescência, sua mãe achou normais as variações constantes de peso. Junto a isso, começou a controlar suas idas ao banheiro. O ato de urinar, após passar mais de vinte e quatro horas sem o fazer, era quase um nirvana. Defecava semanalmente. Achava que não era tempo suficiente para aproveitar o bastante, mas, depois do ocorrido na fila do banco, preferiu não arriscar mais.

Não era lá um homem muito sedutor e, sendo de família religiosa, logo conheceu a pessoa certa no coral da igreja. Sete meses após a lua-de-mel foi quando sua mulher pôde ter a segunda noite de sexo. Realmente, o gozo era incomparável, mas em um desses intervalos ela conheceu outro homem.

A decepção amorosa foi superada por outro hábito: Permanecer acordado. Bebia café, coca-cola, chegou até a tomar anfetaminas. Numa ocasião pôs o som do rádio no volume máximo. Dançou e cantou as músicas de infância. Foi feliz. Ficou por nove dias sem dormir e, quando o fez, nunca mais acordou.

ouvindo... Rolling Stones - Satisfaction (previsível, não?)

10 de jun. de 2007

Argumentos

_Mãe, o que é globalização?
_Globalização? É assim: Você mora no Brasil, sabe de tudo que acontece no mundo e faz as coisas dos outros países.
_Que coisas?
_Música, comida, tevê, cinema...
_Mas eu como feijoada. Feijoada é brasileira. E eu ouço Sandy e Júnior.
_E por que você acha que o nome da Sandy tem "y"? "Y" é uma letra de outro país.
_Por causa da globalização... Mãe, é por isso que a feijoada tem porco?
_Não, meu filho, o porco é brasileiro.
_Mas e o "Babe, o porquinho atrapalhado"?
_Tem porco no mundo inteiro, filho.
_Eu sei que tem. Isso não é globalização?
_É... Pode ser...
_Então globalização é bom.
_De vez em quando. Tem hora que os países mais ricos tentam impor a cultura deles aos países pobres.
_Mas se eles são ricos, a cultura deles é melhor, não é?
_Não existe cultura melhor. As culturas só são diferentes.
_Mas o papai disse que a nossa cultura é a melhor. E que os árabes são burros porque matam gente.
_Seu pai não sabe de nada.
_Por isso que vocês separaram?
_Não, filho, a gente separou porque parou de se gostar.
_E por que se casaram então?
_Porque na época a gente se gostava.
_E quem é Pablo? Papai diz que foi por causa do Pablo.
_Filho, isso não é da sua conta.
_Mas eu tenho que saber tudo que acontece no mundo, não é? E isso aconteceu no mundo e eu não sei.
_Pablo era um argentino amigo meu que seu pai tinha ciúmes.
_Argentino? Isso é globalização, mãe?
_É sim. Agora vai dormir.
_E o que que é javascript?

ouvindo... Manu Chao - La Vie a 2

9 de jun. de 2007

Non-Sense pós-moderno

Há quem diga que o nome da mostra de tudo o que sobra da festa é a soledad. Eu não digo que não, nem digo que sim, já que soledad é em espanhol e eu só entendo inglês, understand? Ainda que não, se só entendesse italiano, capiciava que o resto do resto é o que não falta na festa. Mas que festa? Não há festa. E tem sombra na palmeira da praia. E côco também. Mas não era palmeira?

Bebamos, então, a sombra à sombra.

ouvindo... Falcão - A besteira é a base da sabedoria (mamãe diz que eu sou um pão e o que vale é a intenção)

5 de jun. de 2007

"A Revolução Não Será Televisionada"

Filme: "A Revolução Não Será Televisionada"

Direção: Kim Bartley e Donnacha O'Briain

Parte 1 ; Parte 2 ; Parte 3 ; Parte 4 ; Parte 5 ; Parte 6 ; Parte 7 ; Parte 8 ; Parte 9 ; Parte 10

A grande mídia quer um consumidor. Não um cidadão.


ouvindo... Cazuza - Burguesia

2 de jun. de 2007

Dialética

À fronte e à frente do tempo
existem duas barricadas
prontas para explodir
ao soar das cornetas

Quem passa não percebe
mas se desavisa
e não vê porque não quer
a espera do embate

A dialética do medo
fez a necessidade da classe
oprimida
no pretexto de subir

e quando sobe
não entende a lógica
da dialética da vida
e oprime

Antes do confronto
há quem se esconda
em nomes, cabeças, teorias
e fundamentos infundados

Em matéria de existir
o forte quer o posto
o fraco quer a posta
e o mundo só quer girar

ouvindo... Caetano Veloso - Haiti